Desafios do Varejo na Relação com a Indústria

O Gerenciamento por Categorias revolucionou a forma como entendemos a organização de produtos no espaço de loja, físico ou digital. Criado por Brian Harris nos anos 90, em parceria com o Walmart e a Procter Gamble, esta metodologia trouxe novos olhares sobre como devemos agrupar, expor e comunicar a presença dos produtos. 

No entanto, a sua aplicação, devido a baixa qualificação dos profissionais do mercado, a falta de visão estratégica e a busca de resultados de curto prazo leva a situações indesejadas no ambiente de negócios que merecem atenção. Neste artigo, exploro a dicotomia do Gerenciamento por Categorias entre a Indústria e o Varejo, procurando chamar a atenção para fatores que muitas vezes passam despercebidos.

Gerenciamento por Categorias: Um Passo Além

O nascimento do Gerenciamento por Categorias por Brian Harris trouxe uma nova abordagem para a organização de produtos no varejo. Harris desvendou um segredo há muito guardado: a categoria de produtos não é uma mera classificação dos produtos a partir de suas características físicas, mas sim uma construção voltada para as conectar hábitos e necessidades dos consumidores. O conceito é simples, mas sua execução exige uma mudança de paradigma: unir produtos aparentemente distintos em um mesmo espaço de vendas, baseando-se na maneira como os consumidores os utilizam e os percebem.

Gerenciamento por Categorias: o primeiro impasse

O Gerenciamento por Categorias se desdobra em duas perspectivas: a da indústria e a do varejo. A indústria, focada em seus próprios produtos, tende a adotar uma visão monocromática. Cada fabricante busca promover seus produtos individualmente, sem considerar as influências intercategoriais. Isto leva a desequilíbrios na oferta de valor do varejo, prejudicando tanto as vendas quanto a experiência do consumidor.

Um produto e ou uma categoria de produtos superdimensionada no espaço disponível seja pela ocupação, localização, comunicação etc gera um desequilíbrio no ecossistema que impede que o conjunto da oferta de produtos alcance o seu máximo potencial de vendas. Falta, em muitos casos, por parte da indústria, esta visão sistêmica para além da sua oferta de produtos. A falta de diversidade pode comprometer a operação de varejo.

O Potencial do Varejo no Gerenciamento por Categorias

Acredito que está na operação de varejo o maior potencial de realização do propósito do Gerenciamento por Categorias. Somente uma operação varejista detém as condições para atender, sem restrições, as necessidades e os hábitos de consumo dos consumidores. 

A condições do varejo não são um desprestígio à indústria, mas uma condição natural do seu negócio. É da natureza do varejo poder compor categorias de produtos sem restrições. Enquanto é da natureza da indústria ficar restrita a um universo de produtos limitado por uma determinada matéria-prima. 

É simples compreender por que para uma operação de varejo é prático e fácil compor uma categoria de produtos. Lembre do período de verão, é natural reunirmos em uma possível “categoria praia” uma cadeira de praia, uma cerveja, um guarda-sol e uma bola. Agora, imagine o fabricante de qualquer de um destes produtos tendo que produzir um dos demais produtos. É praticamente impossível e esta é a limitação da indústria no Gerenciamento por Categorias.

Além da composição das categorias, o varejo detém o poder de reunir diversas categorias no mesmo ambiente, físico ou digital. Assim, se já é difícil para a indústria compor verdadeiramente uma categoria de produtos imagine então compreender e ofertar diversas categorias simultaneamente. O varejo pode e deve fazer isto, conduzindo essa metodologia de forma independente, analisando e ajustando todas as categorias de produtos, simultaneamente, com vistas a evitar que nenhum produto ou categoria monopolize o espaço de vendas.

Dois Riscos do Varejo em Não Dominar o Desenvolvimento e a Execução do Gerenciamento por Categorias

Perda de identidade

A indústria, de forma geral, busca a uniformidade na sua forma de apresentação ao mercado, o que é natural. A indústria, tanto por uma questão de posicionamento de marca como por uma questão econômica, procura ter o mesmo sortimento de produtos, as mesmas políticas de preço e a mesma comunicação em um mesmo tipo de canal de vendas. Ou seja, todas as indústrias procuram padronizar sua oferta em cada canal que atuam seja ele um supermercado, uma farmácia, uma loja de grande porte, uma loja de vizinhança, uma ferragem, um quiosque etc.

Agora, imagine a situação fictícia de todas as indústrias alcançando o seu objetivo de presença no mercado em um determinado canal de vendas. O que acontecerá, então, com todos os varejistas deste canal? A resposta é simples: todos os varejistas ficarão iguais. Ou seja, só restará aos varejistas a competição por preço. Qualquer relação com a realidade, não é mera coincidência. Assim, se os varejistas seguirem unicamente as estratégias de Gerenciamento por Categorias apresentadas pela indústria estarão se alinhando em oferta aos seus concorrentes.

Perda de conhecimento

Um dos maiores enganos na relação entre a indústria e o varejo no que diz respeito ao desenvolvimento e a implantação do Gerenciamento por Categorias é a responsabilidade pela execução de loja. A execução de loja, mais especificamente quanto à manutenção da exposição e do abastecimento dos equipamentos, costuma ficar a cargo da indústria, principalmente, nos grandes varejistas. 

Claro que há vantagens para os varejistas transferir à indústria parte do custo de mão-de-obra da manutenção de loja, mas é um engano transferir toda a responsabilidade seja para um ou mais fornecedores. A exposição dos produtos é a interface final da empresa com seus clientes. Este contato dos produtos, melhor, das categorias de produtos com os clientes deve ser de total domínio e conhecimento da operação de varejo. O conhecimento da execução das categorias em loja é um patrimônio que deve estar na equipe do varejista e não de seus fornecedores. 

Conclusão

Em síntese, o Gerenciamento por Categorias conecta indústria e varejo. Enquanto ambas desempenham um papel importante, é no varejo que essa metodologia encontra seu verdadeiro lar.

A visão de equilíbrio das categorias é pedra angular do Gerenciamento por Categorias. Considerar todas as categorias de forma igualitária, de acordo com o seu papel e sua importância, está nas mãos do varejo, evitando desequilíbrios e criando uma oferta coesa que atenda às necessidades dos consumidores de uma maneira holística.

O varejista munido de insights sobre os consumidores, da dinâmica do mercado e contando com apoio e conhecimento especializado da indústria, será capaz de construir categorias de produtos verdadeiramente integradas e equilibradas. Desta forma, o Gerenciamento por Categorias se transforma em uma ferramenta poderosa para impulsionar as vendas, fortalecer marcas e proporcionar experiências excepcionais ao consumidor, contribuindo para o desenvolvimento tanto da indústria como do varejo.